domingo, novembro 12, 2006

Uso prático do direito da ignorância

Primeiro, foi o "Animal Marinho" que se defendeu com dedo em riste e sua frase memorável: eu não sabia de nada. O resultado, todo mundo sabe, foi uma compensação: sua reeleição, sua absolvição pública. Ponto.

Agora, a Polícia Federal, outra de nossas instituições, segue o exemplo presidencial e clama sua inocência com o cândido "eu não sabia", este poderoso trunfo argumentativo. Fim de caso.

Eu acho que nós, brasileiros, temos o dever cívico de seguir o exemplo de nossas instituições. Mais: devemos exigir o mesmo direito que elas têm em não saber de nada. Imaginemos o mundo maravilhoso de uma democracia onde todos têm direitos e deveres iguais, principalmente o de ignorar fatos que, teoricamente, seriam de nossa responsabilidade.

Para entender concretamente este ideal, vamos ilustrá-lo com a proposta "Uso prático da ignorância durante o vestibular", descrita abaixo.

A partir do ano que vem, os exames do Enem e de todas as universidades brasileiras deverão incluir em suas questões de múltipla escolha a opção "f) Eu não sei". Aquele que responder determinada questão utilizando este recurso deverá, por lei, ser perdoado de sua ignorância, e mais, caso o candidato responda todas as questões com "f) Eu não sei", devera receber clemência máxima do júri, obter o título "gabaritou", com direito a entrevista na televisão e medalha de honra ao mérito entregue pelo reitor da faculdade.

Sendo assim, proponho aos milhares de estudantes do Brasil que sigam a lógica de nossas instituições e façam uma greve geral pelo direito de não saber. Mais: que reivindiquem que a ignorância (sincera) deixe de ser punida e, ao invés disso, passe a ser premiada de todas as formas possíveis. Caso a professora pergunte, por exemplo, "quantos escândalos de corrupção o governo federal atravessou nos últimos três anos?", o primeiro aluno que levantar a mão para responder orgulhosamente "eu não sei!", devera ganhar um ponto a mais na média.

Além deste exemplo do vestibular, o mesmo princípio deveria ser aplicado no mundo empresarial. Imaginemos a situação hipotética: o funcionário (que entrou pra faculdade por ter gabaritado o exame utilizando o recurso "f) Eu não sei") faz uma manipulação enganosa ou toma uma decisão incorreta. O patrão enfurecido invade a sala do funcionário vociferando o erro. O funcionário, acuado, procura em todos os cantos de sua memória uma resposta pertinente a dar ao patrão furioso. Num momento de luz, lembra-se do magnífico exemplo de compaixão vivido pelo "Animal Marinho" e diz com voz embaraçada a expressão mágica: "eu não sabia". Neste instante, o patrão enraivecido é imediatamente sensibilizado pelo problema do funcionário, e a fúria em seus olhos é lentamente substituída por um profundo sentimento de fraternidade. Tocado e inspirado pela ignorância de seu funcionário, o chefe convoca uma reunião extraordinária. Num longo discurso, ele explica o caso a toda equipe. E conclui: "ele não sabia e, por isso, merece uma compensação, quem sabe até um aumento de salário. Entendam, este é o tipo de comportamento que espero de vocês. O exemplo deste funcionário deve ser seguido por todos." Toda a equipe, emocionada com discurso do patrão, o felicita com uma longa salva de palmas, fortes abraços, generosos apertos de mão. E todos viveram felizes para sempre. Inclusive o funcionário, que sabendo-se responsável pelo erro, pôde respirar aliviado por ter dito a frase certa, no momento certo.

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