sábado, setembro 17, 2005

Racismo



O racismo não é produto de mentes desequilibradas, como ingenuamente se poderia supor; nem existiu sempre, ou existirá sempre, como totalmente se poderia pensar. Os racistas têm naturalmente interesse em definir o racismo como uma característica da "natureza humana"; como a "natureza humana" é imutável, o racismo, por consequência, jamais desaparecerá. O racismo é um dos muitos filhos do capital, com a peculiaridade de ter crescido junto com ele.
Nos países socialistas, que se orgulham de haver liquiddado as formas essenciais da exploração ao homem pelo homem, permanece, enfezado e renitente como uma planta que não se consegue arrancar.
Se poderia argumentar que nos países socialistas - qualquer que seja o seu caminho, a União Soviética, China, Cuba, Vietnã, Argélia, Albânia,... - a competição, que estimula o racismo, não desapareceu de todo. O argumento é verdadeiro, mas não basta. O racismo está depositado no mais fundo da cabeça dos homens - assim como certas sementes que resistem às mais violentas mudanças de temperatura e, subitamente, voltam a brotar. Há nele uma dose de irracionalismo que nenhum sistema social, até hoje, foi capaz de liqüidar. (A antropofagia, que acompanhou a humanidade durante milhares de anos, lembra, nesse aspecto, o racismo. A guerra, que a sociedade continua a usar para resolver determinados problemas, é outro exemplo de instituição persistente e irracional que pode, ingenuamente, ser tomada como própria da "natureza humana").
O exemplo mais escandaloso de racismo foi, contudo, o regime nazi-facista alemão (1933-45). Juntaram-se naquele fantástico caldeirão todos os ingredientes conhecidos dos ódio racial: preconceitos vulgares, velhos de séculos ou recém-fabricados pela propaganda política; prejuízos científicos avaliados por pensadores de ultra-direita; estermínios em massa de criaturas indefesas.
Por volta de 1885, as potências européias já tinham dividido o mundo entre si, como quem divide um bolo. (Naquele ano, por exemplo, a África fora miseravelmente "partilhada" entre elas, sem que um só africano estivesse presente.) Diante do fato consumado, a burguesia alemã estava na situação de quem chegou tarde a festa - só restaram migalhas de bolo sobre a toalha manchada. Virou a mesa. Sua progressiva agressividade percorreu todos os caminhos conhecidos. Desprezo pelos outros, apelo a "raça", à "pureza do sangue", a superioridade dos "mais capazes" - nada foi inventado pelo nazismo, os outros povos europeus já tinham recorrido a tudo isso no passado. A novidade estava no grau e na intensidade, arrastado a humanidade a um conflito cujas cicatrizes não desapareceram ainda.
Há quem prefira ver no episódio nazi-fascista apena so irracional e o absurdo. (Estão em moda, há algum tempo, as explicações sobrenaturais e cósmicas para fatos históricos.) Claro, esses estiveram presentes; digamos, na percentagem de 1%. O nazi-fascismo - como seu cortejo de miséria e de ódio racial - foi uma saída momentânea para o capitalismo alemão. O país se atrasará na corrida colonial; o tempo era de grave crise econômica (a "grande depressão"); é, enfim, a burguesia se sentia irremediavelmente acusado pela classe operária.
Por que o racismo se abateu, em especial como uma avalanche, sobre a cabeça dos judeus? Os judeus eram o único outro disponível na Alemanha: transformaram-se em bodes espiatórios ideiais. Além de serem o outro que se podia agredir, detinham uma parte da riqueza nas suas mãos: tomá-la abria espaço para os empresários "autenticamente aos alemães" e aumentava as verbas do ministério da fazenda. Ajudava também os governantes a provarem seus propósitos "socialistas" (não eram os judeus "exploradores do povo"?).
No filme já clássico, Queimada, de Pontecorvo, há uma cena didática. José Dolores, líder negro da independência do país, vai sendo levado para a forca. Um inglês que ajudará antes - para exterminá-lo depois - vem se despedir e ouve a seguinte lição: "A civilação está com vocês, hem, inglês! Mas até quando?"

Nenhum comentário: